Entre a Perda e a Dor: Compreendendo o Luto

A perda de alguém querido é tudo o que temos de mais certo e mais incerto na nossa vida. Todos sabemos que um dia vamos morrer, que a nossa família, os nossos amigos e as diferentes pessoas que nos rodeiam não vão viver para sempre. Contudo, o momento da morte é também o que temos de mais incerto na nossa vida. Ninguém sabe quando, onde ou como irá acontecer.

O luto é um processo adaptativo e normativo que ajuda a pessoa a reorganizar a sua vida após uma perda, englobando tudo o que ela faz para lidar com essa experiência. A forma como cada pessoa se adapta à perda dependerá de diferentes fatores, tais como a capacidade de resistência e resiliência, do contexto em que a pessoa se insere, da relação com a pessoa falecida, da perceção de suporte social, da existência de antecedentes psiquiátricos. Assim, é difícil prever como é que cada pessoa vai viver esta experiência ou quais as estratégias a que vai recorrer para suportar a perda.

Habitualmente, após sofrer uma perda, sobretudo se se tratar de um ente próximo, é expectável que a pessoa apresente sofrimento intenso, e se envolva em comportamentos e rituais que a auxiliem no decorrer do processo de luto. Apesar disso, na maioria dos indivíduos enlutados, cerca de 80-90%, consegue ultrapassar e integrar a perda. Todavia, ultrapassar a perda não é sinónimo de esquecer a pessoa que faleceu.

No processo de adaptação ao luto, a pessoa pode experienciar diferentes fases:

– Negação, onde há dificuldade em aceitar a perda; revolta, marcada pela raiva dirigida a outros ou a si mesmo;

– Negociação, onde tenta encontrar formas de reverter a morte, por exemplo através de promessas;

– Depressão, caracterizada por tristeza profunda e isolamento;

–  Aceitação, em que a pessoa começa a vislumbrar um futuro, apesar da saudade e da tristeza ainda presentes.

Contudo, há pessoas que apresentam dificuldades em fazer o processo de luto de forma adaptativa e aí poderemos estar perante um luto complicado (ou patológico). Inicialmente, a pessoa apresenta os mesmos sinais e sintomas que o indivíduo que passa por um luto normativo. Contudo, os sinais e sintomas, em vez de se resolverem com o passar do tempo, mantêm-se, podendo até mesmo agravar-se. As características mais fortemente associadas são: a saudade intensa, descrença relativamente à perda, raiva, tristeza e solidão, preocupação pela pessoa falecida. Pode existir uma culpa intensa e o desejo de ter morrido no lugar do falecido, levando o enlutado a evitar lembrar a pessoa, inclusive as boas memórias, que causam sofrimento. A morte de alguém pode resultar numa perda de identidade e desinteresse pela vida, especialmente pelo futuro. Indivíduos em luto complicado enfrentam sintomas psicológicos e físicos, como dor, agitação, alterações do sono e cansaço, tornando difícil a realização de atividades diárias e promovendo a solidão ao evitar o contato social.

O luto complicado diferencia-se relativamente ao período de tempo e à intensidade dos sintomas. É marcado por sintomas mais intensos e duradouros, que persistem por mais de 12 meses, ao contrário do luto normativo, cujos sintomas tendem a diminuir gradualmente à medida que a pessoa se adapta à perda.

Fatores que podem influenciar a dificuldade em fazer o processo de luto incluem: a idade, o género, estatuto socioeconómico, existência ou não de perturbação psiquiátrica prévia e a natureza da relação entre o enlutado e o falecido. As circunstâncias da perda, como mortes inesperadas ou violentas, aumentam o risco de luto complicado. Fatores relacionados à capacidade emocional do enlutado e as suas respostas à perda também são importantes.

 

Como ajudar alguém que está a passar um processo de luto:

Quando se está a vivenciar um luto, é natural que as pessoas se sintam frequentemente sozinhas e isoladas, já que pouco depois da perda as redes e apoios sociais parecem diminuir. Quando o choque da perda desvanece, há uma tendência para as pessoas se sentirem mais tristes e isolarem-se. Também é natural que alguns amigos bem-intencionados possam tentar evitar discutir o assunto devido ao seu próprio desconforto relativamente ao luto, ou devido a terem medo de fazer com que o enlutado se sinta pior. Podem não saber o que fazer nem o que dizer. É importante compreender que as pessoas em luto, muitas vezes flutuam entre querer estar sozinhas e querer a companhia dos outros. Tendo consciência desta ambivalência, é útil tentar sentir se a pessoa quer que esteja mais “perto” ou mais “distante”, sendo, no entanto, importante mostrar disponibilidade. Sentir interesse e sensibilidade, pode ser muito tranquilizador para quem está a viver um luto. Mesmo que exista constrangimento e desconforto por estar com alguém em luto, tal é melhor do que se perder a rede de suporte social.

Quanto mais conscientes estivermos da intensidade e individualidade com que cada um vive este processo, mais facilmente o conseguiremos experienciar, tendo sempre em conta que a dor é inevitável.

 

Algumas dicas práticas:

  • Seja um bom ouvinte;
  • Esteja presente;
  • Pergunte sobre a perda;
  • Faça telefonemas;
  • Permita que a pessoa se sinta triste, valide o que está a sentir;
  • Não minimize a perda;
  • Faça perguntas sobre o que a pessoa está a sentir;
  • Partilhe os seus próprios sentimentos;
  • Permita que a pessoa recorde a perda;
  • Tenha consciência e conhecimento da dor;
  • Esteja disponível sempre que possível;
  • Fale das suas próprias perdas.

Autores

Marina Oliveira

Psicóloga Clínica e da Saúde Mestre em Psicologia Clínica: Intervenções Cognitivo-Comportamentais, pela Universidade de Coimbra. Formação especializada em reabilitação psicossocial em saúde mental Experiência em prática clínica em contexto institucional, com base no modelo de reabilitação psicossocial, experiência na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados em Saúde Mental