Crianças do Século Digital: O Impacto da Dependência Tecnológica

Nascidas na era digital, as crianças do século XXI, crescem cercadas por telemóveis, tablets, computadores e uma infinidade de dispositivos conectados. Embora a revolução tecnológica tenha trazido benefícios inegáveis, a emergente dependência tecnológica das nossas crianças levanta preocupações sobre o impacto no seu desenvolvimento cognitivo, social e emocional.

Conhecidas como “nativas digitais” as crianças do mundo atual, têm contacto próximo com a tecnologia desde muito cedo. O acesso fácil a aparelhos tecnológicos com vídeos, jogos e inúmeras aplicações é muitas vezes justificado como forma de manter as crianças entretidas. No entanto, esta utilização de forma precoce e frequente, abre portas a um padrão de dependência, com forte impacto a nível emocional, cognitivo, social e físico.

 

(1) Impacto Emocional

Para além de serem utilizados como forma de distração, muitas vezes, os pais utilizam estes dispositivos tecnológicos para controlar os comportamentos ou reações emocionais dos seus filhos. A curto prazo esta estratégia parece funcionar. No entanto, este uso excessivo pode afetar a capacidade de as crianças tolerarem o tédio ou de desenvolverem competências de autorregulação emocional.

 

(2) Impacto Cognitivo

O uso frequente de dispositivos digitais parece também ter impacto no desenvolvimento cognitivo das crianças. Pesquisas recentes mostram que, embora determinados jogos ou aplicativos possam estimular competências cognitivas específicas, como memória ou a resolução de problemas, o seu uso prolongado pode prejudicar outras áreas essenciais do desenvolvimento. A exposição contínua a estímulos rápidos e recompensas instantâneas altera a forma como o cérebro processa informações, resultando numa diminuição da capacidade de concentração e dificuldades acrescidas em tarefas que exigem paciência, esforço mental, foco e atenção.

 

(3) Impacto Social

Outro ponto crucial é o impacto da dependência tecnológica no desenvolvimento social das crianças. Quando os dispositivos substituem as interações humanas, as crianças podem perder oportunidades de aprender habilidades sociais importantes. Brincar com outras crianças, conversar com os pais e resolver conflitos no mundo real são experiências fundamentais que ajudam no desenvolvimento da empatia, da comunicação e da inteligência emocional.

Ainda, no que respeita a população adolescente, há uma preocupação crescente acerca do impacto do uso das redes sociais que pode levar a comparações prejudiciais, sentimentos de inadequação e até problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. A procura constante pela “vida perfeita” muitas vezes mostrada nas redes sociais parece distorcer a perceção das crianças e jovens sobre a realidade, criando expectativas irreais e uma constante busca por validação externa.

 

(4) Impacto na Saúde Física

A dependência tecnológica também está associada ao aumento do sedentarismo entre crianças e adolescentes. O tempo de ecrã muitas vezes substitui atividades físicas, o que pode resultar em problemas de saúde, como obesidade e até atrasos no desenvolvimento motor. Crianças que passam horas em frente às telas também podem sofrer de problemas de postura e fadiga ocular, especialmente aquelas que usam dispositivos sem a supervisão adequada. Também à noite, o tempo de ecrã prolongado parece estar associado a distúrbios do sono, interferindo na produção de melatonina, a hormona responsável pelo sono.

 

Como Equilibrar o Uso da Tecnologia

Embora seja impossível (e indesejável) excluir a tecnologia da vida das crianças, é essencial encontrar um equilíbrio saudável.

Aqui estão algumas estratégias que podem ajudar:

 

  • Limitar o tempo de ecrã: Definir limites diários de tempo de ecrã é fundamental. Especialistas recomendam que crianças menores de 2 anos evitem completamente o uso de dispositivos e que o tempo de ecrã seja limitado a uma hora/uma hora e meia por dia para crianças mais velhas (6 aos 12 anos).

 

  • Incentivar atividades offline: Propor atividades que não envolvam dispositivos digitais é uma ótima maneira de promover a criatividade, a interação social e o exercício físico. Brincadeiras ao ar livre, jogos de tabuleiro e leitura são excelentes alternativas.

 

  • Supervisionar e participar na experiência tecnológica: Acompanhar o uso da tecnologia pelas crianças, interagindo com elas durante o uso de aplicativos ou jogos, ajuda a transformar o tempo de ecrã numa atividade mais enriquecedora. Isso também permite que os pais supervisionem o conteúdo consumido e ofereçam suporte quando necessário.

 

A tecnologia é uma ferramenta poderosa, mas, como qualquer outra ferramenta, deve ser usada com sabedoria. As crianças do século digital têm a vantagem de crescer com acesso ilimitado a informações e recursos que podem enriquecer as suas vidas, mas é essencial que pais, educadores e a sociedade como um todo estejam atentos aos potenciais impactos negativos dessa dependência. Afinal, o objetivo é que elas usem a tecnologia como um recurso para aprender e crescer, em vez de se tornarem reféns de uma vida digital sem limites.

Autores

Ana Gois

Psicóloga Clínica